Vamos Fazer Um Acordo?

Ury: “Nada é mais humano do que erguer barreiras quando nos sentimos atacados. Mas, ao contra-atacar, com mais rejeição e desrespeito, estamos perpetuando um ciclo destrutivo”
Quem quer mudar o mundo precisa primeiro mudar a si mesmo. É com a frase do filósofo Sócrates (470 a.C-399 a.C) que o americano William Ury abre seu décimo livro, “Como Chegar ao Sim com Você Mesmo”, recém-lançado no Brasil (Sextante, 144 págs., R$ 24,90/e-book: R$ 19,90). Especialista em negociação e mediação de conflitos, o autor de 61 anos já foi chamado, nas últimas três décadas, para resolver crises políticas e guerras civis na ex-União Soviética, na fronteira entre Turquia e Síria, além da Venezuela de Hugo Chávez.
Também ajuda a desatar nós em contendas corporativas, como a do empresário brasileiro Abilio Diniz e ex-sócios franceses.
No novo livro, Ury, que também pilota uma organização para o turismo sustentável no Oriente Médio, defende que o maior obstáculo para chegar a acordos bem-sucedidos entre países, empresas e nas relações pessoais não está do outro lado da mesa. “Por mais difícil que o oponente possa ser, o principal entrave somos nós mesmos, ao reagirmos de uma maneira que, geralmente, não atenderá aos nossos interesses”, afirma Ury ao Valor, durante uma visita de dez dias ao Brasil.
“Como Chegar ao Sim com Você Mesmo” é a continuação de “Como Chegar ao Sim”, escrito há 35 anos com Roger Fisher (1922-2012), professor de direito da Universidade de Harvard. O primeiro livro virou referência no mundo da negociação, vendeu 13 milhões de cópias e foi traduzido para 34 idiomas. É baseado no trabalho desenvolvido pela Harvard Negotiation Project, organização criada em 1979 na universidade para pesquisar e ensinar novas teorias de mediação. Na obra, a abordagem é estimular o “ganha-ganha”, em que todas as partes envolvidas em um acordo se levantam da mesa com um sorriso no rosto.
Dessa vez, o novo livro centra fogo nos brios do próprio negociador. “Os maiores impedimentos para o que queremos na vida não são os outros, por mais intratáveis que sejam, mas nós mesmos”, diz. O autor, formado em antropologia social, afirma que é comum as pessoas se “sabotarem” nas discussões, reagindo de maneira incompatível com os próprios objetivos. “Numa disputa de negócios, um sócio chama ou otro de mentiroso na imprensa e o ex-parceiro, por sua vez, entra com uma ação por difamação.” Para ele, atrás de reações tempestuosas em momentos de confronto, aparece a vontade do “ganha-perde”, em que só uma das partes deve sair vitoriosa. E tanto faz se são gigantes dos negócios lutando pelo controle de um império ou grupos étnicos brigando por uma nesga de terra.”Todos parecem partir da premissa de que um lado só vence se o outro perder.”
A proposta de Ury é que o negociador aprenda a se controlar antes de procurar influenciar a outra ponta do contrato. “É esse processo de transformação pessoal de oponente íntimo em aliado que eu chamo de ‘chegar ao sim com você mesmo’.”
Ury lembra que, quando escrevia o livro, recebeu um pedido da família Diniz, do Pão de Açúcar, para ajudar o patriarca, Abilio, em uma complexa disputa comercial com sócios franceses, que já envolvia arbitragem internacional e ação judicial. Esse case é emblemático e ocupa seis páginas da obra. Após estudar o assunto, o autor, que mora no Colorado e é casado com uma brasileira, viajou a São Paulo para uma conversa na casa do empresário.
“Por mais complicado que parecesse o conflito com os sócios, senti que o principal obstáculo para o fim da negociação era o próprio Abilio. Ele se sentia desrespeitado pelos parceiros comerciais”, diz. “O meu papel era ajudá-lo a esclarecer qual era o seu objetivo na disputa. Ficou claro que ele queria mais liberdade e, depois de quatro dias de negociações em Paris e São Paulo, chegamos a um acordo satisfatório para os dois lados.”
Ury garante que, em qualquer negociação, a pergunta deve ser “por que eu quero mesmo isso?” “Quanto mais fundo você for nessa investigação, maior será a probabilidade de achar uma solução.” No caso de um pedido de aumento salarial, por exemplo se a meta é só ter reconhecimento profissional e o chefe não poder concedê-lo por limites orçamentários, é possível amealhar apenas uma nova atribuição de prestígio. Nesse caso, para que brigar?
Outra saída para apaziguar desavenças, segundo ele, é o poder da desculpa sincera. Ury lembra um momento de reviravolta em uma reunião que facilitava na Europa, entre formadores de opinião curdos e turcos. O Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK) trava embates com o governo de Ancara desde os anos 80 para criar um Estado à parte, no sudeste do país. “Um general turco aposentado pediu para falar. Disse reconhecer o sofrimento do povo curdo durante a guerra e lamentou profundamente a morte de inocentes”, conta. “A tensão no encontro era grande, mas a declaração mudou o clima e abriu caminho para um acordo.”
Pendengas internacionais estão sempre na agenda de Ury. A convite da ONU e do Carter Center, organização fundada pelo ex-presidente americano Jimmy Carter, ele trabalhou como mediador em uma crise política na Venezuela. Para isso, reuniu-seo com então presidente Hugo Chávez e usou como estratégia um dos “passos” que recomenda no livro: a busca de oportunidades no presente.
Se eu tivesse seguido a ideia inicial, que era fazer uma apresentação com algumas recomendações, Chávez teria nos despachado em alguns minutos”, afirma. Em vez disso, Ury perguntou pela filha do socialista venezuelano, que tinha a mesma idade da filha dele na época, e o deixou falar. Ao terminar o relato, que foi dos tempos de coronel das Forças Armadas até a admiração por Simon Bolívar (1783-1830), o presidente lhe perguntou o que achava da briga com a oposição. A solução do americano foi devolver: “Quem pode fazer o quê, hoje, para conduzir esse conflito a uma solução?” O autor diz que, em poucos minutos, o presidente concordou em rediger uma lista de iniciativas que cada parte poderia seguir para amenizar o tumulto nas ruas. Logo, foi aberto um canal para escoar a crise.
Ury também aconselha a aceitar o passado, antes do bate-boca, para não perder de vista ganhos mais importantes e cita Nelson Mandela (1918- 2013) como modelo a ser copiado. “Um homem que passou 27 anos na prisão e perdoou seus carcereiros tinha todos os motivos para ser rancoroso. Ao aceitar seus algozes, inspirou centenas de pessoas.” Em 1994, Mandela tornou-se o primeiro presidente negro da África do Sul. Governou o país até 1999, comandou o fim do regime segregacionista e a reconciliação de grupos antagônicos internos.
Uma das estratégias dele para vencer batalhas dadas como perdidas é tratar o oponente com respeito. “Nada é mais humano do que erguer barreiras quando nos sentimos atacados. Mas, ao contra-atacar, com mais rejeição e desrespeito, estamos perpetuando um ciclo destrutivo e impossibilitando o acordo.”
Apesar do otimismo, Ury não vê um pacto imediato com a facção Estado Islâmico, que avança na Síria e no Iraque. “Parece impossível agora, diante do extremismo ideológico e da barbaridade que mostram”, diz. “Mas a história nos mostra que a maioria dos conflitos violentos pode resultar em composições, como acontece agora com o Talibã, no Afeganistão.”
O especialista, que acaba de chegar da Ucrânia, vê mais sinais de paz na vizinhança do presidente russo Putin, onde mais de 6 mil pessoas já morreram nos embates separatistas. “Nenhum dos lados conseguirá uma vitória unilateral por meio da força”, diz. “A situação pode ser resolvida com um acordo criativo, que atenda às necessidades legítimas do povo da Ucrânia, incluindo o Leste, a Rússia e a Europa. Não vai ser fácil, mas é possível.”
Quando não está ajudando a dar um desfecho feliz para desavenças globais, Ury se dedica à Iniciativa Caminho de Abraão, uma organização sem fins lucrativos que criou e também precisa da sua bagagem de apaziguador. A ONG global ajuda a manter uma trilha de 1,3 mil quilômetros no Oriente Médio, com a ajuda de guias manter uma trilha de 1,3 mil quilômetros no Oriente Médio, com a ajuda de guias locais e das comunidades do entorno, na mesma linha do Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha.
A diferença é que o trajeto, supostamente percorrido, há quatro mil anos, por Abraão e sua família, atravessa países como Turquia, Síria, Líbano, Jordânia e Israel. Abraão é considerado um dos personagens mais importantes das religiões judaica, islâmica e cristã. O projeto de Ury pretende acelerar o desenvolvimento social e econômico da região e a aproximação entre os povos ligados pela trilha. “Apesar dos conflitos internacionais que acontecem lá, estamos progredindo.”
Em 2013, o Caminho de Abraão recebeu 1,1 mil peregrinos e, no ano passado, cerca de 2,5 mil. “Esperamos receber 5 mil turistas até 2017.” Pelo menos 800 famílias já são impactadas, economicamente, com o fluxo de viajantes. O Banco Mundial anunciou investimentos de US$ 2 milhões no trajeto, em ações de treinamento de guias e divulgação do destino. Em 2014,
a revista “National Geographic Traveler” elegeu o percurso como a melhor nova trilha para ser feita a pé no mundo. No Brasil, patrocinadores locais da iniciativa organizam, em 28 de junho, em São Paulo, a 6ª edição da corrida Caminho da Paz, que pretende reunir cristãos, judeus e muçulmanos.
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